(Uma de uma série de bonecas encontradas no litoral do Texas, levadas por correntes marinhas, em 2023 - tag yourself)
Ando pensando numa frase do Marshall McLuhan sobre Vila Sésamo, na qual dava a entender que as crianças assistindo o programa nos anos 1970 não estavam aprendendo a gostar da escola ou de aprender e sim de assistir televisão. Isso me ocorreu porque, na semana passada, me pareceu não haver um único espaço da internet, seja mídia conglomerada ou independente, em que eu não tivesse esbarrado em textos sobre o fato de que existem pessoas que “adotam” bonecos realistas de bebês como se fossem filhos. Frente à “emergência” da pauta, legisladores de extrema-direita subiram na carona do assunto e protocolaram projetos de lei para capitalizar a atenção e demonstrar serviço.
Fiquei me perguntando se as pessoas que o fizeram queriam mesmo escrever sobre esse tema, fossem colunas ou tweets, ou se na verdade apenas aprenderam o manejo da internet, se alimentando da forma impensada e reativa que ela suscita. Crianças que, como as que viam Vila Sésamo sob a aparência de desfrutar de algo produtivo, simplesmente recaíram no conforto passivo de assistir fantoches, recebendo, agora, validação.
Por outro lado, entendo também que nos sentimos ansiosos em entender o que caralhos está acontecendo e isso poucas vezes esteve dissociado de apontar aquilo que consideramos estranho ou reprovável nos outros, para marcar diferenças, sejam políticas, de classe, de educação, do quanto iluminados uns são em relação aos outros. Como explico nas aulas em que tenho de falar a respeito da Revolução Francesa, a aceleração do tempo (e dos chamados processos históricos) não é algo próprio do nosso cotidiano do antropoceno, virtualizado e neoliberal, mas sim uma litania que vemos repetida há mais de dois séculos, tal qual os debates acerca de monogamia ou “exatas x humanas” na internet, quando a ideia de “novo” irrompeu na Europa ocidental. Entender e julgar o que está acontecendo para sobreviver, política ou socialmente, está associado a isso. Por isso a ânsia de muitos em produzir conteúdo o mais rápido possível para “ler”, “interpretar”, “especular” a respeito de algo que acabou de acontecer. É uma forma de manter-se relevante, mesmo que à deriva, quando tantos parecem estar naufragando.
Vale dizer que apontar o que está ficando para trás — na maior parte das vezes, nós mesmos, se não escrevemos, pesquisamos ou nos manifestamos sobre algo — e o que nos parece estranho (bizarro) à direção que pensamos que as coisas devem ir igualmente fez parte desses processos. Levou consigo, em seu momento, cabeças literais em cadafalsos e não só por motivos políticos. Digamos que os movimentos revolucionários, mesmo os “do bem”, tanto quanto os movimentos reacionários, de maneira geral também têm suas disposições excludentes em relação aos direitos reprodutivos e aos hábitos mais comezinhos.
Minhas preocupações com isso são, eu diria, não só em relação a hábitos ou modas. Esses dias li uma coluna de Alexandra Kohan, psicanalista argentina cujos textos admito nem sempre terminar de ler, sobre a lentidão em nosso mundo vertiginoso. Um elogio à lentidão, principalmente no espaço da análise. Entendi o que ela quis dizer porque uma vez por semana, fico frente a frente com uma psicanalista, tentando dar um mínimo de ordem às minhas desordens e só aí, nesse espaço hermético é que me dou licença para desencravar alguns espinhos. No entanto, de maneira menos solipsista, fiquei também presa à ideia da lentidão para processar as coisas do mundo e, principalmente, de ler nossa realidade. Essa em que milhares de bebês (reais) morrem em Gaza, crianças no Brasil são alvejadas por balas perdidas em operações policiais e um desastre climático se avizinha de algum lugar todos os dias. Somamos nossas desordens internas que fazemos públicas — alimentadas com as imposições de fazer, treinar, aprender, postar — e essa pressa que temos em reagir a tudo, alimentada pelo brain rot: reagir ao novo Papa, às Big Techs, a um bombardeio, aos usos da inteligência artificial, a um alerta de temporal, ao tuíte (bluíte) que lemos de alguém dizendo uma barbaridade.
Tive um fim de semana de temporal reminiscente das piores coisas que vi ano passado, seguido de um domingo afetuoso e intenso que terminou com um sanduíche de milanesa no meu bar preferido de Almagro. Um bar que, a diferença de muitos cafés, não tem tomadas, nem playlist genérica de fundo. O garçom geralmente te serve com o mau humor de quem tem de lidar com as asperezas do cotidiano porteño e o cardápio não tem muitas opções. Não há um suporte de guardanapo com um texto cheio de pontos de exclamação e fotos de avocado toast sugerindo qualquer “promo”. Fiquei pensando na tão elogiada “internet de antigamente”, aparentemente mais horizontal e parecida a um sistema arcano de biblioteca, um cardápio com letras pequenas, onde antes de te oferecerem coisas era tu que tinhas que as buscar. Não o youtuber, não o influencer, não o podcaster com sua coluna sobre o tema candente.
Essa semana, o governo assinou uma série de novas regulamentações a respeito do Ensino à Distância. De acordo com um censo de 2023, houve um acréscimo de 326% de matrículas nessa modalidade de curso superior em uma década. Não é de se estranhar, considerando o quão difícil tem sido decidir-se, deslocar-se, comer, trabalhar e conviver, de modo geral, em espaços públicos físicos, sob intempéries, em troca de um diploma que tão tangencialmente garante um emprego (talvez) melhor. Além do mais, o EAD se presta muito mais ao tempo do aluno, inclusive enquanto ele lava uma louça, e não às divagações de um professor ensimesmado ao passo que a louça do aluno espera na pia de casa. Isto é, mais uma forma de otimizar nossas vidas, ao invés de nos imporem algo de calma.
Calma para pensar no que está acontecendo conosco ao invés de como temos de reagir.
O que me parece mais grave, penso, é que mesmo para aqueles que olham para novos hábitos com horror, entre eles o próprio Ensino à Distância, a internet é esse mesmíssimo lugar seguro onde não só aqueles que se admira nos dizem o que fazer e como pensar, como também onde não há o incômodo do olhar alheio do colega por mais do que o ciclo de um assunto específico.
Como os bebês reborn, por exemplo.