So long, you pretty thing
Sobre o bloqueio ao Twitter e a morte da internet (e de otras cositas más).
Não escrevo porque escolho. Escrevo porque preciso, como também passo fio dental. Escrevo muito mais em privado do que publicamente. Meus rompantes literários se limitam a uns cadernos esquecidos na casa dos meus pais, esse espaço, um blog defunto e ao formato dos 140 caracteres depois expandido para 280 daquela outra rede social lá.
Jardinagem. Tuitar é (era) fazer jardinagem. Talvez como minha avó fazia agachada em frente aos canteiros de uma casa no litoral norte, sobre um dos quais faleceu em uma tarde de abril, de um mal súbito. Eu às vezes temo que morra tuitando, atropelada enquanto arranco ervas daninhas para chegar ao número exato de palavras para transmitir uma ideia sobre isso que todos nós fazemos. Estar no mundo. Não uso as redes sociais para trabalho. Tenho o privilégio de não precisar e sinto bastante por quem, nesses últimos dias, era responsável por fazer divulgação naquele site.
Dei, quando o algoritmo trabalhou a meu favor (ou não), a ocasional “hitada”. Aprendi, principalmente com a yoga, a simplesmente deixar estar. Followers são como dinheiro de banco imobiliário, me disse uma pessoa sábia uma vez. Ficou mais difícil “hitar” depois que o rapaz esse, cuja cara parece a de um boneco de argila branca feito por alguém na pré-escola, comprou nosso brinquedo e demitiu quase todo mundo que trabalhava para a manter aquilo mais ou menos operante. Um investimento que, parece, não sabíamos que era possível ser feito politicamente, embora os presidentes todos do mundo dito civilizado tivessem pulado nessa barca tão logo ela apareceu, inclusive pagando influencer numa época em que os ovos das proverbiais serpentes estavam apenas sendo chocados. Parecia tudo ok até que descobrimos que alguns consensos entre nós — entre eles o de que o nazismo foi algo ruim — deixou de ser consenso, e que quantos passos damos na rua, o que fotografamos quando comemos e que músicas não paramos de ouvir no YouTube viraram dados a serem vendidos. Não vou descrever aqui como o capitalismo arruinou a promissora web 2.0, essa ágora de todas as coisas boas.
Seria chover no molhado e num vídeo do David Bowie de 1999, que parece que ele está adivinhando o que viria a ocorrer (possivelmente é menos o David Bowie do que nós mesmos vendo-o, com o benefício do retrospecto).
Como se fôssemos uns pintores realistas tentando nos adaptar aos abstracionismos do início do século XX, nós do meio acadêmico somos chamados a ocupar esses espaços com mais intensidade desde a pandemia. Estou de responsável pela divulgação de uma revista acadêmica e ainda bato cabeça para entender como esperam que nós vendamos discussões sobre Gustav Droysen ou o antropoceno em paralelo a propagandas de jogos de apostas e de lojas de acessórios de decoração.
Dito isso, o que sempre me chamou a atenção na rejeição ao Twitter é o fato de que ela muitas vezes provém de quem nunca foi uma menina de doze anos passando na frente de uma obra. Desde que eu posso, ando de fones de ouvido nas ruas de modo a bloquear na vida real qualquer maluco que me interpele. Que os homens que vejo online, sobretudo cantando vitória no “novo Orkut”, se gabem de bloquear imbecil sempre me pareceu coisa a quem “le falta calle”. Isso sempre parece para mim menos estridente nas mulheres que, de fato, são alvo de gente muito muito pérfida. Qualquer pessoa pertencente a grupos minoritários aprende desde cedo a ter olhos nas costas e já tomou mais arrodião em espaços de convivência do que uma simples mention. O block festejado sempre me deixa um pouco deprimida, mais ou menos como me deixa triste quem dá bola para jornalista esportivo.
A vida é muito curta, tanto para o Twitter quanto para o Pedro Ernesto Denardin.
“Tu era muito usuária, né?”, me perguntou uma amiga no sábado, no primeiro dia em que os servidores bloquearam o Twitter, e depois riu do próprio ato falho.
“Sim,” eu disse, serena, consciente do meu “probleminha” e no entanto roendo as unhas porque além de tudo, estava tirando informações de um perfil de história pública para um projeto, ao qual só tenho acesso agora por meio de VPN.
Pagar VPN para acessar o Twitter é como vender mobília para comprar droga, li por aí.
No Blue Sky, me sinto como se tivesse entrado num rehab porque até agora o que vi foram cartilhas de perfis a seguir — starter packs — e autocongratulações de que ali todo mundo é educado. Parece o lançamento de um condomínio novo. Não digo que falta ódio, nem falta de educação, mas ainda não ri desde que entrei lá, porque são todos muito bons moços por enquanto. Disse que me sentia no exílio, sarcasticamente, e me responderam com os termos “cordão sanitário” e “refugiado digital”, suponho que a sério.
Não sei que vida essas pessoas levam para achar que nós simplesmente estamos a uma rede social de escapar da degradação das instituições que nos cercam, por mais STF que exista. A mim parece evidente que estamos vendo a carcaça de um bicho construído no século XIX — o Estado nacional moderno e seus instrumentos de coesão e organização — sendo aos poucos predada por uns poucos abutres que já se deram conta de que é hora passada de limpar seus ossos. 2026 vai ser sobre isso e quando eu ouvir gente defender sua própria imagem falando em soberania nacional ou liberdade (inclusive de escolher qual rede social usar), vou agarrar forte minha carteira.
A vida tanto não é a internet que li júbilos de que no Blue Sky “não tem crente”, o que me deixa meio consternada porque não sei se essas pessoas estão preparadas para o próximo ciclo eleitoral.
Quem achar pertinente, no entanto, pode me achar no novo céu azul sob esse mesmo handle. Estarei lá jogando um pouquinho de ácido, como dizem que é meu senso de humor.
Que texto sensacional.